Oito anos
depois...
Janeiro. O ar
quente da estação abafava a noite paulista. Por isso tantos jovens seminus
atirados à piscina, Roberta pensou enquanto atravessava um jardim de uma casa
pelo menos cinco vezes maior do que a sua.
Já passavam da
meia-noite quando ela chegou à festa. Tratava-se de uma festa improvisada pelos
próprios conhecidos do colégio e quase sempre ocorria alguns dias antes do
primeiro dia de aula. Os convites eram enviados de última hora em forma de SMS
para os números dos alunos contendo somente o local e a hora. Roberta gostaria
de saber como eles tinham acesso a tantos números de celulares, principalmente os
números dos alunos novos, recém-matriculados, e não conheciam ninguém em comum.
Provável que Jonas, ou Cachaça, como era conhecido, estivesse envolvido. Ele
era o filho mimado da diretora e fazia parte da escória narcisista e festeira
do colégio.
Roberta destravou
o celular e digitou uma mensagem: “Cadê você?”.
Aos dezesseis
anos, Roberta era bem mais alta e dona de poucas curvas de um corpo magro. Seus
cabelos ainda eram castanhos e compridos, com as pontas quebradiças batendo em
suas costas. Seus olhos um tom mais claros que o castanho de seus cabelos ainda
se destacava em seu rosto redondo. As sobrancelhas grossas e bem desenhadas
dela tornavam o olhar expressivo e marcante. Era impossível olhar para Roberta
sem perder alguns segundos fixos em seus olhos.
Uma pena que a
falta de vaidade, roupas largas e tênis surrados, encobrissem a sua beleza. Mas
Roberta não se importava, por que gostava de chamar a atenção, mas por suas
atitudes, não por beleza. E geralmente ela era a rebeldia entre o grupo de
amigos.
Roberta correu
os olhos pela pista de dança no meio da sala. Lotada. Impossível achar alguém por
ali. Voltava-se novamente para o celular quando alguém a chamou.
- Amiga! Você
veio! – era a voz embriagada de Melissa. – Achei que não fosse vir você não
gosta dessas festas. Bom, eu chamei uma prima minha que estava passando a noite
lá e, é claro, ela me ajudou a convencer o meu pai de que uma festa um dia
antes das aulas começarem era o que eu precisava para me manter focada o ano
inteiro – riu. – Você acredita nisso? O meu pai acreditou!
Melissa deu um
gole na bebida que segurava. Também aos dezesseis anos de idade e pouco mais de
um metro e meio de altura, ela continuava a mesma pequena, frágil e tagarela
menina. Embora seu cabelo tivesse escurecido uns dois tons e seus cachos louros
não se formassem mais tão perfeitamente, ela ainda mantinha aquele ar
angelical, carregado por um olhar ingênuo e um sorriso aconchegante e
divertido. As pessoas normalmente gostavam de Melissa assim que a conheciam,
porque quando ela sorria, conquistava quem estivesse ao redor.
Crescidas e já
no segundo colegial, as meninas tornaram-se completamente diferentes. Em estilos,
gostos e aparências. Mas Melissa e Roberta eram melhores amigas desde aquele
dia no pátio. As melhores amigas que
qualquer garota invejaria ter. Elas só precisavam estar juntas para que o
diferente nelas se tornasse igual.
- E cadê a sua
prima? – Roberta quis saber.
- Eu a perdi
de vista faz algum tempo. Está muito lotado, não dá pra achar ninguém. Está bem
melhor que a do ano passado, lembra?
- Lembro –
Roberta respondeu arrastando a voz. Ela olhou para os lados a procura de
alguém. – Você viu o Denis? Eu achei que ele estivesse com você já que eu não
vinha.
- Imagina! Você
acha que o Denis ia ficar pra lá e pra cá comigo? Eu o vi passar uma hora atrás,
mas ele estava com uns amigos do terceiro ano e me cumprimentou de longe –
Melissa contava. - Amiga, foi o Denis quem promoveu essa festa junto com o
Cachaça. E, olha pra isso, está bombando. Ele deve estar se achando por aí. O
Denis é nosso amigo, mas ele mudou bastante.
Roberta era
obrigada a concordar. Elas não podiam mais contar com o Denis, por que nunca
sabiam se ele teria uma festa mais legal para ir. Como aconteceu no último
aniversario de Melissa, do qual Denis não marcou presença. Era o convidado para
uma festa fechada em um sitio no interior, e ele foi.
- O Denis é um
idiota, isso sim. Sempre foi. Nem sei por que eu dei atenção à mensagem dele.
Eu devia ter ficado em casa – Roberta sacudiu a cabeça.
- Como assim?
- Ele me
mandou uma mensagem há quase duas horas dizendo que queria muito que eu viesse
à festa porque ele precisava falar comigo e...
- Olha só! –
Melissa interrompeu a amiga.
- O que foi?
- Olha só para
você! O Denis te manda uma mensagem e você vem correndo. Cadê o seu orgulho? E eu
estou chocada! Eu te imploro para me fazer companhia e você nem dá bola! Eu que
realmente preciso de você!
- Ah, não,
não, não, Mel! Não vem me irritar com essa história. Eu sempre vou há vários
lugares que eu detesto só pra você não ir sozinha. Agora essas festas do
colégio, você sabe, eu não suporto.
- Pelo Denis
você suporta. É. Parece que eu preciso mesmo arranjar mais uma melhor amiga –
Melissa disse levemente chateada, dando outro gole em sua bebida.
- Sem drama,
Mel! Você não esta ajudando!
Melissa encarou
a amiga e deu de ombros. Ela só queria que Roberta se desculpasse.
- Olha, eu sei
que eu te disse que estava com dor de cabeça e que ia dormir. Eu não menti, por
que realmente ia fazer isso. Certo. Talvez eu não estivesse com dor de cabeça,
mas... – Melissa a lançou um olhar de recriminação enquanto acabava com a
bebida do copo. Roberta continuou: -... Eu só vim por que o Denis me enviou
essa mensagem dizendo que precisava de mim nessa droga de festa. Ele nunca falou assim e, sei lá, me pareceu
sério. Só. Eu jamais viria por outro motivo, eu detesto essas festas dos nossos
colegas. E agora estou me detestando por ter vindo. Eu devia ter desligado meu
celular e ido dormir. Têm mil pessoas nessa festa, ele não precisa de mim aqui.
Se na mensagem não tivesse meu nome, eu diria que ele errou o destinatário.
- Acho que não, amiga – Melissa disse
conformada. – Talvez o Denis queira mesmo falar com você. Nunca se sabe o que
esperar de um menino. Vêm. Vamos procurar o Denis e pegar uma bebida para você.
Melissa puxou
Roberta pela pista de dança improvisada no centro da sala e seguiram por um
corredor estreito cheio de casais flertando. Elas foram se esquivando dos jovens
que iam e vinham pelo corredor até chegarem à cozinha, onde o espaço era maior
e mais iluminado.
- Onde será
que enfiaram a Vodca? – Melissa disse, varrendo a mesa com os olhos.
- Não sei se
quero beber, Mel.
- Mas eu
quero! Amanhã começa as aulas e, fora os meninos gatos do terceiro ano jogando
futebol, nada mais de interesse acontece. Então, melhor eu aproveitar hoje.
Roberta ria quando de repente sentiu uma mão
fria tocar o seu braço nu. Ela virou se deparando com Denis. Um sorriso involuntário
escapou pelos lábios da garota.
Dos três, Denis fora o que mais cresceu. Agora
era bem mais alto do que Roberta e seu corpo, antes magro e todo desmilinguido,
se tornara forte e definido. Provavelmente por causa do futebol, mas dava para
notar através da camiseta os ombros mais largos e o peitoral maior, sem contar os
músculos dos braços. Somente o rosto infantil, o olhar atentado e os cabelos
negros, cacheados, aparados na altura da testa, eram os mesmos de oito anos
atrás. Denis se tornara um garoto lindo. Alto, forte, cativante e muito
charmoso. Sempre tivera essas qualidades, desde pirralho, mas agora ele fazia
um sucesso com as meninas que, ás vezes, o deslumbrava. Com tanta popularidade,
ficava cada vez mais difícil sustentar a mesma amizade que os três mantinham na
infância.
- Hei! Você veio! – Como a maioria naquela
casa, Denis apenas curtia a festa. Ele sorria embriagado e segurava um copo com
uma bebida amarelada dentro.
- Claro que
vim. Você me encheu o saco, lembra?
- Oi Denis! –
Melissa surgiu por trás de Roberta, interrompendo-os.
- Oh – ele
pareceu sem graça – Oi Mel, e aí, como você tá? Eu te vi chegar, mas eu estava
muito enrolado com uns amigos, não deu pra te cumprimentar direito – o garoto
se antecipou em puxar a pequena para um beijo no rosto e um abraço desajeitado.
- Tudo bem.
Sem problemas – Melissa disse toda derretida. Denis era assim, um conquistador
barato.
Cheio de
sorrisos e afagos, Denis lhes ofereceu a bebida que segurava. Melissa foi seca
ao copo.
- Eca! Que gosto horrível! O que diabos é
isso, Denis? – quis saber. O estômago embrulhado e uma careta no rosto.
- Eu e o time
de futebol inventamos uma batida da sobra de todas as outras bebidas que
largaram por aí, mas... Se pá, não deu
muito certo, não é?
- Nããão! Que porcaria, Denis! – Melissa fugiu a procura de um banheiro para
vomitar.
Denis e
Roberta gargalharam.
- Hei. Fiquei
feliz que você veio, eu preciso muito falar com você... Em particular.
- Se não for
demorar muito, eu tô curtindo a festa com a Mel e nos íamos dançar – Roberta
fez-se de desinteressada, mas seu estômago dava nó de curiosidade.
- Vai ser só
um minuto.
Denis guiou Roberta
para longe do falatório de dentro da casa.
Quando Melissa retornou, não encontrou os
amigos. Ela suspirou entediada. Não queria continuar bêbada e sozinha. Ela
sacou o celular da bolsa e procurou o número de sua prima, se ela não
respondesse, aí encheria a caixa de mensagens de Roberta para que ela se
atracasse rápido com Denis e voltasse logo. Melissa girava nos calcanhares
digitando a mensagem quando alguém esbarrou nela, fazendo seu celular voar e se
espatifar no chão.
- Merda! Meu
celular! – Melissa agachou para apanhar as partes do aparelho que se desmontou – Você tá cego, é?
- Foi mal. Eu
estava distraído, não te vi – a pessoa se abaixou para ajudar.
Melissa discretamente rolou os olhos,
cochichando nervosa: - Deve estar bêbado!
- Hei. Não me
culpe. Era você quem estava vidrada no celular e não olhou para frente.
- Você só pode
estar brincand... Uau – a pequena engasgou com as próprias palavras. Ela
permaneceu com os olhos vidrados no menino agachado a sua frente.
Se Melissa
pudesse descrevê-lo em duas palavras, seria como o “seu tipo”. Ela realmente
achou que ele saiu dos sonhos dela e que podia se tratar de uma miragem bêbada
e muito dolorosa, já ela havia terminado um relacionamento há pouco tempo.
O rapaz ergueu os olhos de encontro aos dela.
Possivelmente curioso pelo fato de que a garota o observava há certo tempo.
- Foi mal.
Você disse alguma coisa? – ele exalou com uma voz jovem e tranquila,
incompatível com o olhar perdido em seu rosto levemente corado.
Melissa não
sabia o que a chamou tanta atenção nele. No fim, era um menino comum: altura
mediana, magro, de pele clara, rosto fino, nariz reto e comprido, bochechas
coradas, olhos e cabelos castanhos, repicados no pé da orelha e lisos. Vestia
um jeans e uma camiseta preta. Igual metade dos garotos da festa. Mas os seus
lábios finos semiabertos e ligeiramente molhados pela saliva eram extremamente
convidativos. Melissa não pôde ver ainda, mas o garoto possuía um sorriso confiante
e um ar inteligente de quem resolveria qualquer problema em qualquer situação.
De repente uma
voz mais grave invadiu a cozinha, interrompendo os dois e tirando Melissa de seu
transe.
- Gee! Cadê
você? Vamos, cara! Estão esperando a gente na porta!
Ele se
levantou e fez um sinal com a mão para o outro rapaz encostado no batente da
porta: - Eu já vou! Dois minutos.
- Gee? –
Melissa também se levantou. Ela olhou para a porta da cozinha, mas o outro
rapaz já havia saído.
- É um apelido
que eu não escolhi ter – disse entregando as peças do celular dela. – Foi tudo
o que eu encontrei. Você consegue montar sozinha? Eu preciso ir.
- Acho que
sim.
- Certo. Até
mais e desculpe mais uma vez – ele se despediu seguindo para a segunda porta da
cozinha que levava direto ao jardim
- Espera! –
Melissa o deteve. – Qual o seu nome?
- Gabriel.
- Gabriel? – a
garota franziu a testa. De repente Gabriel lhe pareceu angelical demais para
aquele menino de roupas escuras e jeito misterioso.
- É. Gabriel.
Por quê? – ele arqueou uma sobrancelha.
- Nada. Achei que não combina muito com você.
- Ah! –
Gabriel exclamou sem entonação – E o seu nome?
- Melissa. Mas
me chamam de...
- É. Melissa
combina com você - Gabriel sorriu e saiu porta afora sem mais palavras. Melissa
ficou confusa. Ele havia elogiado ou debochado do nome dela? Ela riu sem humor.
Não acreditava que aquele menino havia mexido tanto com ela.
Roberta e
Denis chegaram gargalhando aos fundos da casa. Uma menina alucinada havia
confundido Denis com um antigo namorado e resolveu arranjar briga com Roberta.
No começo eles se assustaram, mas ao verem a menina sem um par dos sapatos e
com as roupas cheirando a vomito, deduziram o quanto era cômico aquela cena.
- Ai, ai.
Odeio gente bêbada e doida! Meu Deus! – Roberta ainda ria quando sentiu um frio
na barriga assim que Denis parou de andar e se voltou para ela.
- Eu tô
bêbado.
- Eu sei – ela
assentiu, sorrindo. – Mas não é doido. Apenas bêbado.
- Vai saber.
Os dois
estavam completamente sozinhos na parte inferior do jardim, onde havia um
pequeno banquinho branco com uma mesa redonda de ferro.
Dava-se para
ouvir a música alta e o barulho das pessoas pulando na piscina, mas aquele
lugar era provavelmente o mais calmo da casa.
- E aí, você
não queria falar comigo? – Roberta se adiantou, encostando o quadril na mesa de
ferro.
- Sim. Eu
queria, mas... Acho que não quero mais – ele a comtemplou por um instante,
deixando-a sem graça. - É tão difícil falar com você, Roberta, eu nunca sei a
sua reação. Tô quase desistindo.
- Sem essa,
Denis. Eu não sou palhaça. Vai, desembucha!
Ele riu embriagado.
- O que foi?
Vai me contar uma piada? – ela quis saber, cruzando os braços.
- Eu nunca tinha reparo o quanto você fica
bonitinha desaforada desse jeito – Denis abafou a risada com um sorriso
atentado nos lábios.
Suas bochechas
estavam demasiadamente coradas e Roberta sabia que ele estava embevecido pelo álcool
que ingeriu, mas não se incomodou. Roberta descruzou os braços quando Denis deu
um passo à frente ficando a centímetros de dela.
- Denis? – sua
voz entoou descompassada pelo nível acelerado dos batimentos cardíacos.
Denis carregou
uma das mãos para a bochecha de Roberta e a tocou como nunca havia tocado antes.
Ele desejou desesperadamente saber o que a garota sentia. Talvez a brisa do
álcool o fez divagar sobre a amiga sempre tão arisca e durona, principalmente
perto dele. O humor de Roberta ficava sempre pior quando Denis estava por perto.
Será que ela o odiava? Mal sabia que o motivo era outro.
Observando-a
naquele minuto em que ela deixou que ele a tocasse, fez parecer uma menina
frágil e insegura, como todas. Imaginar que a amiga não era tão diferente das
meninas que ele já havia pegado, inexplicavelmente o agradou.
Denis sussurrou
algo que Roberta não entendeu direito. Com os olhos vidrados no toque suave de
seus dedos sobre a bochecha dela, ele tomou mais um passo. Roberta
podia sentir a respiração do amigo e o mesmo acontecia com ele. Suas bocas estavam
tão próximas que ela conseguia imaginar seus lábios se tocando. Roberta prendeu
a respiração e se inclinou para beija-lo.
- Brother, o que você tá fazendo aqui? – a voz
aguda de Jonas fez Denis dar um impulso pra trás e bater a canela no banco da
mesa que os cercava. Roberta ficou descompassada.
Jonas, ou
Cachaça, seu apelido desde o primeiro porre de pinga na sexta série, levando-o a suspensão e a se consagrar na roda de amigos. Ele era um garoto magricelo e de
pele morena. Cabelo raspado rente à cabeça e olhos cor de mel. Usava aparelho
dentário e tinha também de usar óculos de grau, mas desde a invenção das lentes
de contato, seus óculos foram aposentados. Jonas não era um menino atraente, um
esportista ou muito inteligente. Ele era egoísta, egocêntrico e gostava de
sacanear todos aqueles que não faziam parte de seu mundo de garotas, festas e
futebol. Mas Jonas sabia que sua vida boa se devia à sorte de ser filho da
diretora e ter um amigo como Denis ao seu lado. O que facilitava noventa por
cento a sua vida e ele tirava proveito disso.
- Roberta? –
Jonas pareceu ser arrebatado por um show de horrores. – Você aqui? Eu nem sabia
que você tinha sido convidada. Se eu soubesse... Opa, opa! O que vocês dois
fazem aqui no escuro no meio do mato?
Jonas
arregalou os olhos para Denis: - Isso é sério, Brother?
- Não enche,
Cachaça. Eu e a Roberta estávamos conversando. Não inventa coisa na sua cabeça.
Roberta
encarou Denis e ele nitidamente a ignorou. Ela fechou os olhos e inspirou
lentamente. Denis quase a beijou e agora negava. Argh! Era típico demais. Ela
queria gritar e socar a cara dele, mas no dia seguinte o colégio inteiro
saberia. Jonas espalharia para todo mundo que ela tinha sido rejeitada e que era
uma lésbica que não sabia lidar com rejeição. Bom, ele já espalhava que ela era
lésbica, apenas acrescentaria a história da rejeição.
- Disso eu sei!
– Jonas disse convicto. - Eu não tô acreditando é que você vai deixar as
meninas esperando mais tempo. Isso é sério? Elas estão me enchendo o saco. Se
pá, já dei todo o estoque de bebidas pras duas. Tô ficando sem alternativas!
- Tá bom, Cachaça.
Vaza. Eu já vou – Denis disse impaciente.
- Por que você
não faz logo o que a gente combinou e pede para a Roberta pegar o amigo chato delas?
- Cachaça!
- Como é que é?!
– Roberta desacreditou, virando-se para Denis.
- Não fica
brava, por favor – explicou se esticando para agarrar a mão da amiga, mas ela
não deixou. Denis ficou confuso e tombou no banco. Devia ser o excesso de
álcool na cabeça.
Mas para
Roberta, o que Jonas disse foi como um banho de água fria. Ela congelou a expressão,
fitando o estado de Denis: o tato lerdo, os olhos pequenos e a pele corada agora a incomodavam. Ele estava muito bêbado e Roberta sentiu uma pontada de
desprezo pelo amigo.
- Eu precisava
que você me ajudasse por que, você não faz ideia, o cara é um mala. Mas você ia
saber lidar com ele – Denis disse como se fosse algum tipo de elogio. Roberta
apenas sacudiu a cabeca, desacreditando naquilo. – O Cara deve ser gay. Eu acho
ele gay. Gay pra caralho, então, não ia ser muito sofrido pra você. Quero
dizer, você não ia ter que beijar e nem
nada disso.
- O cara não é
gay – Jonas deixou escapar.
- Cachaça! –
Denis fez um gesto para que o amigo se calasse.
- Vão à merda
vocês dois! – Roberta rolou os olhos e passou por Jonas. Ela não olhou para
trás e ignorou seu nome gritado por um Denis completamente bêbado.
Quando sumiu
da vista deles, ela andou o mais rápido que pôde. Precisava esvaziar sua mente
da palhaçada que haviam aprontado com ela. Especialmente Denis. Ele era seu
melhor amigo desde a infância, poxa! Veio uma imensa vontade de chorar quando
chegou à pista de dança. Tocava um remix de uma música antiga que ela gostava. Roberta
atravessou a pista sem se preocupar em quem esbarrava.
- Hei! Porra!
Presta atenção! – ouviu gritarem. Tratava-se de Angélica, uma menina de cabelos
coloridos de vermelho e peitos fartos. Aliás, tudo era farto demais em Angélica.
Os seios, a boca, a maquiagem, os decotes, as bebidas, as drogas e o sexo. Era
o que todos falavam dela: a ruiva exageradamente gostosa da turma A. Roberta a
conhecia por causa do ano passado, eram da mesma sala no primeiro colegial, mas
nem se falavam. Nenhuma das duas se importaria se não as colocassem na mesma
sala este ano.
Roberta rolou
os olhos. Angélica estava tão bêbada que nem a reconheceu. Ou simplesmente não se
importava de quem se tratasse.
Fugindo para a
cozinha, Roberta entornou três doses de tequila.
- Vai com
calma, gatinha – balbuciou um idiota qualquer. Roberta o ignorou e com a
bateria do celular acabada, uma careta no rosto e um gosto horrível na boca,
ela voltou para a área da piscina. Não havia achado Melissa em nenhum dos
outros cômodos da casa, a amiga só podia estar por ali.
Muita gente
bêbada se atracando dentro da água. Roberta sentiu a tequila alcooliza-la
enquanto fitava uma pequena parte da piscina que não havia ninguém. A
água estava agitada, mas naquele pequeno espaço dava para ficar em paz. Roberta
descalçou os tênis e se agarrou na blusa que vestia, na pretensão de tira-la.
- Se eu fosse
você não faria isso – disse uma voz tranquila demais para a bagunça daquele lugar.
- Dá o fora,
não estou a fim – respondeu com uma grosseria maior do que a de costume.
Roberta sacudiu a cabeça exasperada e nem se deu ao trabalho de conferir quem
era. Apenas mais um idiota dando em cima dela.
- Tudo bem –
ele disse irônico. – Depois não diga que eu não avisei.
Roberta tirou
as mãos da blusa. Ela suspirou, enfim encarando o menino com uma cerveja na mão
sentado numa das cadeiras de tomar sol. Ele parecia mais deslocado do que ela
naquele ambiente, mas era bonito. Então tudo bem.
Roberta curtia
garotos com caras deprimidas. E, claro, um cabelo batido no olho e um sorriso
bonito, ajudavam.
- Por que eu
não entraria na piscina?
- Eu não sei.
Eu só estou flertando com você, esqueceu? – ele disse ainda mais irônico.
- Ah, vai a...
- Por que um
imbecil acabou de mijar aí - a
interrompeu. Ele baixou os olhos para a piscina – A água ainda deve estar quente.
- Caramba, que nojo! Eu quase
entrei aí – Roberta arrepiou-se só de imaginar.
- Eu sei –
disse. – Quer cerveja?
Roberta
recusou com a cabeça. Já tinha bebido demais, seu raciocínio começava a ficar
lento. Ela pegou o par de tênis jogados ao lado e procurou outra cadeira de praia
para se sentar. Roberta demorou mais do que o normal para calçar os tênis. Ela
mesma se irritou.
- Droga. Eu
bebi demais! – reclamou enfiando a cabeça entre as mãos apoiadas nos joelhos.
- Sim – o
menino concordou, dando um gole na cerveja – Você ficou parada olhando para
essa piscina um tempão e depois começou a tirar a roupa. Foi engraçado. Meio garotas selvagens, mas engraçado.
A garota teve
de rir. Devia ser uma cena bizarra.
- Você é novo
aqui, não é? – ela já tinha certeza da resposta, por nunca tê-lo visto e ele
estar sozinho, mas queria confirmar as suspeitas.
- Não. Eu moro
nesse bairro desde pirralho.
Roberta ficou
confusa: - Eu pensei que você fosse um novo aluno, ou algo do tipo, eu nunca te
vi antes.
- Se
for novato de novato, eu sou. Meu antigo colégio fechou. Sabe como são,
professores bons, alunos ruins. Eles desistiram de ensinar, então, os diretores
fecharam as portas. Meus pais me matricularam nesse tal de Assis Alencar.
- É o meu colégio
– Roberta disse meio desanimada por lembrar-se da volta às aulas, mas contente
por ele também ser de lá: - Você tá sozinho aqui?
- Não. Eu vim
com um amigo, mas ele não sabe esperar... Saiu com umas garotas e me abandonou
aqui. Antes de amanhecer ele vem me buscar – contou sem ânimo.
- Você pode pegar um táxi.
- Não. Ele
sempre volta para me buscar.
- Como sabe?
- O carro que ele está é do meu pai.
- Ah.
Ficaram em
silêncio por um longo tempo, observando as pessoas entrarem e saírem da piscina
com tanta felicidade. Os dois começaram a rir.
- Eles não fazem
ideia – Roberta comentou.
- Estão engolindo
urina de bêbado.
Gargalharam.
No meio da risada, Roberta avistou Melissa do outro lado da piscina. Ela não estava
dentro da água, mas na parte da grama perto dos guarda-sóis. A pequena ajudava uma menina mais ou menos da mesma altura que ela a se manter em pé. Só podia
ser a prima. Roberta correu para ajudá-la. Finalmente iam embora.
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