terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Capítulos - Amigas Para Sempre

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CAPÍTULOS

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Segundo Capítulo - Um Novo Amigo


Oito anos depois...

Janeiro. O ar quente da estação abafava a noite paulista. Por isso tantos jovens seminus atirados à piscina, Roberta pensou enquanto atravessava um jardim de uma casa pelo menos cinco vezes maior do que a sua.
Já passavam da meia-noite quando ela chegou à festa. Tratava-se de uma festa improvisada pelos próprios conhecidos do colégio e quase sempre ocorria alguns dias antes do primeiro dia de aula. Os convites eram enviados de última hora em forma de SMS para os números dos alunos contendo somente o local e a hora. Roberta gostaria de saber como eles tinham acesso a tantos números de celulares, principalmente os números dos alunos novos, recém-matriculados, e não conheciam ninguém em comum. Provável que Jonas, ou Cachaça, como era conhecido, estivesse envolvido. Ele era o filho mimado da diretora e fazia parte da escória narcisista e festeira do colégio.
Roberta destravou o celular e digitou uma mensagem: “Cadê você?”.
Aos dezesseis anos, Roberta era bem mais alta e dona de poucas curvas de um corpo magro. Seus cabelos ainda eram castanhos e compridos, com as pontas quebradiças batendo em suas costas. Seus olhos um tom mais claros que o castanho de seus cabelos ainda se destacava em seu rosto redondo. As sobrancelhas grossas e bem desenhadas dela tornavam o olhar expressivo e marcante. Era impossível olhar para Roberta sem perder alguns segundos fixos em seus olhos.
Uma pena que a falta de vaidade, roupas largas e tênis surrados, encobrissem a sua beleza. Mas Roberta não se importava, por que gostava de chamar a atenção, mas por suas atitudes, não por beleza. E geralmente ela era a rebeldia entre o grupo de amigos.
Roberta correu os olhos pela pista de dança no meio da sala. Lotada. Impossível achar alguém por ali. Voltava-se novamente para o celular quando alguém a chamou.

- Amiga! Você veio! – era a voz embriagada de Melissa. – Achei que não fosse vir você não gosta dessas festas. Bom, eu chamei uma prima minha que estava passando a noite lá e, é claro, ela me ajudou a convencer o meu pai de que uma festa um dia antes das aulas começarem era o que eu precisava para me manter focada o ano inteiro – riu. – Você acredita nisso? O meu pai acreditou!
Melissa deu um gole na bebida que segurava. Também aos dezesseis anos de idade e pouco mais de um metro e meio de altura, ela continuava a mesma pequena, frágil e tagarela menina. Embora seu cabelo tivesse escurecido uns dois tons e seus cachos louros não se formassem mais tão perfeitamente, ela ainda mantinha aquele ar angelical, carregado por um olhar ingênuo e um sorriso aconchegante e divertido. As pessoas normalmente gostavam de Melissa assim que a conheciam, porque quando ela sorria, conquistava quem estivesse ao redor.
Crescidas e já no segundo colegial, as meninas tornaram-se completamente diferentes. Em estilos, gostos e aparências. Mas Melissa e Roberta eram melhores amigas desde aquele dia no pátio.  As melhores amigas que qualquer garota invejaria ter. Elas só precisavam estar juntas para que o diferente nelas se tornasse igual.
- E cadê a sua prima? – Roberta quis saber.
- Eu a perdi de vista faz algum tempo. Está muito lotado, não dá pra achar ninguém. Está bem melhor que a do ano passado, lembra?
- Lembro – Roberta respondeu arrastando a voz. Ela olhou para os lados a procura de alguém. – Você viu o Denis? Eu achei que ele estivesse com você já que eu não vinha.
- Imagina! Você acha que o Denis ia ficar pra lá e pra cá comigo? Eu o vi passar uma hora atrás, mas ele estava com uns amigos do terceiro ano e me cumprimentou de longe – Melissa contava. - Amiga, foi o Denis quem promoveu essa festa junto com o Cachaça. E, olha pra isso, está bombando. Ele deve estar se achando por aí. O Denis é nosso amigo, mas ele mudou bastante.
Roberta era obrigada a concordar. Elas não podiam mais contar com o Denis, por que nunca sabiam se ele teria uma festa mais legal para ir. Como aconteceu no último aniversario de Melissa, do qual Denis não marcou presença. Era o convidado para uma festa fechada em um sitio no interior, e ele foi.
- O Denis é um idiota, isso sim. Sempre foi. Nem sei por que eu dei atenção à mensagem dele. Eu devia ter ficado em casa – Roberta sacudiu a cabeça.
- Como assim?
- Ele me mandou uma mensagem há quase duas horas dizendo que queria muito que eu viesse à festa porque ele precisava falar comigo e...
- Olha só! – Melissa interrompeu a amiga.
- O que foi?
- Olha só para você! O Denis te manda uma mensagem e você vem correndo. Cadê o seu orgulho? E eu estou chocada! Eu te imploro para me fazer companhia e você nem dá bola! Eu que realmente preciso de você!
- Ah, não, não, não, Mel! Não vem me irritar com essa história. Eu sempre vou há vários lugares que eu detesto só pra você não ir sozinha. Agora essas festas do colégio, você sabe, eu não suporto.
- Pelo Denis você suporta. É. Parece que eu preciso mesmo arranjar mais uma melhor amiga – Melissa disse levemente chateada, dando outro gole em sua bebida.
- Sem drama, Mel! Você não esta ajudando!
Melissa encarou a amiga e deu de ombros. Ela só queria que Roberta se desculpasse.
- Olha, eu sei que eu te disse que estava com dor de cabeça e que ia dormir. Eu não menti, por que realmente ia fazer isso. Certo. Talvez eu não estivesse com dor de cabeça, mas... – Melissa a lançou um olhar de recriminação enquanto acabava com a bebida do copo. Roberta continuou: -... Eu só vim por que o Denis me enviou essa mensagem dizendo que precisava de mim nessa droga de festa.  Ele nunca falou assim e, sei lá, me pareceu sério. Só. Eu jamais viria por outro motivo, eu detesto essas festas dos nossos colegas. E agora estou me detestando por ter vindo. Eu devia ter desligado meu celular e ido dormir. Têm mil pessoas nessa festa, ele não precisa de mim aqui. Se na mensagem não tivesse meu nome, eu diria que ele errou o destinatário.
 - Acho que não, amiga – Melissa disse conformada. – Talvez o Denis queira mesmo falar com você. Nunca se sabe o que esperar de um menino. Vêm. Vamos procurar o Denis e pegar uma bebida para você.
Melissa puxou Roberta pela pista de dança improvisada no centro da sala e seguiram por um corredor estreito cheio de casais flertando. Elas foram se esquivando dos jovens que iam e vinham pelo corredor até chegarem à cozinha, onde o espaço era maior e mais iluminado.
- Onde será que enfiaram a Vodca? – Melissa disse, varrendo a mesa com os olhos.
- Não sei se quero beber, Mel.
- Mas eu quero! Amanhã começa as aulas e, fora os meninos gatos do terceiro ano jogando futebol, nada mais de interesse acontece. Então, melhor eu aproveitar hoje.
 Roberta ria quando de repente sentiu uma mão fria tocar o seu braço nu. Ela virou se deparando com Denis. Um sorriso involuntário escapou pelos lábios da garota.
 Dos três, Denis fora o que mais cresceu. Agora era bem mais alto do que Roberta e seu corpo, antes magro e todo desmilinguido, se tornara forte e definido. Provavelmente por causa do futebol, mas dava para notar através da camiseta os ombros mais largos e o peitoral maior, sem contar os músculos dos braços. Somente o rosto infantil, o olhar atentado e os cabelos negros, cacheados, aparados na altura da testa, eram os mesmos de oito anos atrás. Denis se tornara um garoto lindo. Alto, forte, cativante e muito charmoso. Sempre tivera essas qualidades, desde pirralho, mas agora ele fazia um sucesso com as meninas que, ás vezes, o deslumbrava. Com tanta popularidade, ficava cada vez mais difícil sustentar a mesma amizade que os três mantinham na infância.

 - Hei! Você veio! – Como a maioria naquela casa, Denis apenas curtia a festa. Ele sorria embriagado e segurava um copo com uma bebida amarelada dentro.
- Claro que vim. Você me encheu o saco, lembra?
- Oi Denis! – Melissa surgiu por trás de Roberta, interrompendo-os.
- Oh – ele pareceu sem graça – Oi Mel, e aí, como você tá? Eu te vi chegar, mas eu estava muito enrolado com uns amigos, não deu pra te cumprimentar direito – o garoto se antecipou em puxar a pequena para um beijo no rosto e um abraço desajeitado.
- Tudo bem. Sem problemas – Melissa disse toda derretida. Denis era assim, um conquistador barato.
Cheio de sorrisos e afagos, Denis lhes ofereceu a bebida que segurava. Melissa foi seca ao copo.
 - Eca! Que gosto horrível! O que diabos é isso, Denis? – quis saber. O estômago embrulhado e uma careta no rosto.
- Eu e o time de futebol inventamos uma batida da sobra de todas as outras bebidas que largaram por aí, mas...  Se pá, não deu muito certo, não é?
 - Nããão! Que porcaria, Denis!  – Melissa fugiu a procura de um banheiro para vomitar.
Denis e Roberta gargalharam.
- Hei. Fiquei feliz que você veio, eu preciso muito falar com você... Em particular.
- Se não for demorar muito, eu tô curtindo a festa com a Mel e nos íamos dançar – Roberta fez-se de desinteressada, mas seu estômago dava nó de curiosidade.
- Vai ser só um minuto.
Denis guiou Roberta para longe do falatório de dentro da casa.

 Quando Melissa retornou, não encontrou os amigos. Ela suspirou entediada. Não queria continuar bêbada e sozinha. Ela sacou o celular da bolsa e procurou o número de sua prima, se ela não respondesse, aí encheria a caixa de mensagens de Roberta para que ela se atracasse rápido com Denis e voltasse logo. Melissa girava nos calcanhares digitando a mensagem quando alguém esbarrou nela, fazendo seu celular voar e se espatifar no chão.
- Merda! Meu celular! – Melissa agachou para apanhar as partes do aparelho que se desmontou – Você tá cego, é?
- Foi mal. Eu estava distraído, não te vi – a pessoa se abaixou para ajudar.
 Melissa discretamente rolou os olhos, cochichando nervosa: - Deve estar bêbado!
- Hei. Não me culpe. Era você quem estava vidrada no celular e não olhou para frente.
- Você só pode estar brincand... Uau – a pequena engasgou com as próprias palavras. Ela permaneceu com os olhos vidrados no menino agachado a sua frente.
Se Melissa pudesse descrevê-lo em duas palavras, seria como o “seu tipo”. Ela realmente achou que ele saiu dos sonhos dela e que podia se tratar de uma miragem bêbada e muito dolorosa, já ela havia terminado um relacionamento há pouco tempo.
 O rapaz ergueu os olhos de encontro aos dela. Possivelmente curioso pelo fato de que a garota o observava há certo tempo.
- Foi mal. Você disse alguma coisa? – ele exalou com uma voz jovem e tranquila, incompatível com o olhar perdido em seu rosto levemente corado.
Melissa não sabia o que a chamou tanta atenção nele. No fim, era um menino comum: altura mediana, magro, de pele clara, rosto fino, nariz reto e comprido, bochechas coradas, olhos e cabelos castanhos, repicados no pé da orelha e lisos. Vestia um jeans e uma camiseta preta. Igual metade dos garotos da festa. Mas os seus lábios finos semiabertos e ligeiramente molhados pela saliva eram extremamente convidativos. Melissa não pôde ver ainda, mas o garoto possuía um sorriso confiante e um ar inteligente de quem resolveria qualquer problema em qualquer situação.
De repente uma voz mais grave invadiu a cozinha, interrompendo os dois e tirando Melissa de seu transe.
- Gee! Cadê você? Vamos, cara! Estão esperando a gente na porta! 
Ele se levantou e fez um sinal com a mão para o outro rapaz encostado no batente da porta: - Eu já vou! Dois minutos.
- Gee? – Melissa também se levantou. Ela olhou para a porta da cozinha, mas o outro rapaz já havia saído.
- É um apelido que eu não escolhi ter – disse entregando as peças do celular dela. – Foi tudo o que eu encontrei. Você consegue montar sozinha? Eu preciso ir.
- Acho que sim.
- Certo. Até mais e desculpe mais uma vez – ele se despediu seguindo para a segunda porta da cozinha que levava direto ao jardim
- Espera! – Melissa o deteve. – Qual o seu nome?
- Gabriel.
- Gabriel? – a garota franziu a testa. De repente Gabriel lhe pareceu angelical demais para aquele menino de roupas escuras e jeito misterioso.
- É. Gabriel. Por quê? – ele arqueou uma sobrancelha.
 - Nada. Achei que não combina muito com você.
- Ah! – Gabriel exclamou sem entonação – E o seu nome?
- Melissa. Mas me chamam de...
- É. Melissa combina com você - Gabriel sorriu e saiu porta afora sem mais palavras. Melissa ficou confusa. Ele havia elogiado ou debochado do nome dela? Ela riu sem humor. Não acreditava que aquele menino havia mexido tanto com ela.

Roberta e Denis chegaram gargalhando aos fundos da casa. Uma menina alucinada havia confundido Denis com um antigo namorado e resolveu arranjar briga com Roberta. No começo eles se assustaram, mas ao verem a menina sem um par dos sapatos e com as roupas cheirando a vomito, deduziram o quanto era cômico aquela cena.
- Ai, ai. Odeio gente bêbada e doida! Meu Deus! – Roberta ainda ria quando sentiu um frio na barriga assim que Denis parou de andar e se voltou para ela.
- Eu tô bêbado.
- Eu sei – ela assentiu, sorrindo. – Mas não é doido. Apenas bêbado.
- Vai saber.
Os dois estavam completamente sozinhos na parte inferior do jardim, onde havia um pequeno banquinho branco com uma mesa redonda de ferro.
Dava-se para ouvir a música alta e o barulho das pessoas pulando na piscina, mas aquele lugar era provavelmente o mais calmo da casa.
- E aí, você não queria falar comigo? – Roberta se adiantou, encostando o quadril na mesa de ferro.
- Sim. Eu queria, mas... Acho que não quero mais – ele a comtemplou por um instante, deixando-a sem graça. - É tão difícil falar com você, Roberta, eu nunca sei a sua reação. Tô quase desistindo.
- Sem essa, Denis. Eu não sou palhaça. Vai, desembucha!
 Ele riu embriagado.
- O que foi? Vai me contar uma piada? – ela quis saber, cruzando os braços.
 - Eu nunca tinha reparo o quanto você fica bonitinha desaforada desse jeito – Denis abafou a risada com um sorriso atentado nos lábios.
Suas bochechas estavam demasiadamente coradas e Roberta sabia que ele estava embevecido pelo álcool que ingeriu, mas não se incomodou. Roberta descruzou os braços quando Denis deu um passo à frente ficando a centímetros de dela.
- Denis? – sua voz entoou descompassada pelo nível acelerado dos batimentos cardíacos.
Denis carregou uma das mãos para a bochecha de Roberta e a tocou como nunca havia tocado antes. Ele desejou desesperadamente saber o que a garota sentia. Talvez a brisa do álcool o fez divagar sobre a amiga sempre tão arisca e durona, principalmente perto dele. O humor de Roberta ficava sempre pior quando Denis estava por perto. Será que ela o odiava? Mal sabia que o motivo era outro.
Observando-a naquele minuto em que ela deixou que ele a tocasse, fez parecer uma menina frágil e insegura, como todas. Imaginar que a amiga não era tão diferente das meninas que ele já havia pegado, inexplicavelmente o agradou.
Denis sussurrou algo que Roberta não entendeu direito. Com os olhos vidrados no toque suave de seus dedos sobre a bochecha dela, ele tomou mais um passo. Roberta podia sentir a respiração do amigo e o mesmo acontecia com ele. Suas bocas estavam tão próximas que ela conseguia imaginar seus lábios se tocando. Roberta prendeu a respiração e se inclinou para beija-lo.
 - Brother, o que você tá fazendo aqui? – a voz aguda de Jonas fez Denis dar um impulso pra trás e bater a canela no banco da mesa que os cercava. Roberta ficou descompassada.
Jonas, ou Cachaça, seu apelido desde o primeiro porre de pinga na sexta série, levando-o a suspensão e a se consagrar na roda de amigos. Ele era um garoto magricelo e de pele morena. Cabelo raspado rente à cabeça e olhos cor de mel. Usava aparelho dentário e tinha também de usar óculos de grau, mas desde a invenção das lentes de contato, seus óculos foram aposentados. Jonas não era um menino atraente, um esportista ou muito inteligente. Ele era egoísta, egocêntrico e gostava de sacanear todos aqueles que não faziam parte de seu mundo de garotas, festas e futebol. Mas Jonas sabia que sua vida boa se devia à sorte de ser filho da diretora e ter um amigo como Denis ao seu lado. O que facilitava noventa por cento a sua vida e ele tirava proveito disso.
- Roberta? – Jonas pareceu ser arrebatado por um show de horrores. – Você aqui? Eu nem sabia que você tinha sido convidada. Se eu soubesse... Opa, opa! O que vocês dois fazem aqui no escuro no meio do mato?
Jonas arregalou os olhos para Denis: - Isso é sério, Brother?
- Não enche, Cachaça. Eu e a Roberta estávamos conversando. Não inventa coisa na sua cabeça.
Roberta encarou Denis e ele nitidamente a ignorou. Ela fechou os olhos e inspirou lentamente. Denis quase a beijou e agora negava. Argh! Era típico demais. Ela queria gritar e socar a cara dele, mas no dia seguinte o colégio inteiro saberia. Jonas espalharia para todo mundo que ela tinha sido rejeitada e que era uma lésbica que não sabia lidar com rejeição. Bom, ele já espalhava que ela era lésbica, apenas acrescentaria a história da rejeição.
- Disso eu sei! – Jonas disse convicto. - Eu não tô acreditando é que você vai deixar as meninas esperando mais tempo. Isso é sério? Elas estão me enchendo o saco. Se pá, já dei todo o estoque de bebidas pras duas. Tô ficando sem alternativas!
- Tá bom, Cachaça. Vaza. Eu já vou – Denis disse impaciente.
- Por que você não faz logo o que a gente combinou e pede para a Roberta pegar o amigo chato delas?
- Cachaça!
- Como é que é?! – Roberta desacreditou, virando-se para Denis.
- Não fica brava, por favor – explicou se esticando para agarrar a mão da amiga, mas ela não deixou. Denis ficou confuso e tombou no banco. Devia ser o excesso de álcool na cabeça.
Mas para Roberta, o que Jonas disse foi como um banho de água fria. Ela congelou a expressão, fitando o estado de Denis: o tato lerdo, os olhos pequenos e a pele corada agora a incomodavam. Ele estava muito bêbado e Roberta sentiu uma pontada de desprezo pelo amigo.
- Eu precisava que você me ajudasse por que, você não faz ideia, o cara é um mala. Mas você ia saber lidar com ele – Denis disse como se fosse algum tipo de elogio. Roberta apenas sacudiu a cabeca, desacreditando naquilo. – O Cara deve ser gay. Eu acho ele gay. Gay pra caralho, então, não ia ser muito sofrido pra você. Quero dizer,  você não ia ter que beijar e nem nada disso.
- O cara não é gay – Jonas deixou escapar.
- Cachaça! – Denis fez um gesto para que o amigo se calasse.
- Vão à merda vocês dois! – Roberta rolou os olhos e passou por Jonas. Ela não olhou para trás e ignorou seu nome gritado por um Denis completamente bêbado.
Quando sumiu da vista deles, ela andou o mais rápido que pôde. Precisava esvaziar sua mente da palhaçada que haviam aprontado com ela. Especialmente Denis. Ele era seu melhor amigo desde a infância, poxa! Veio uma imensa vontade de chorar quando chegou à pista de dança. Tocava um remix de uma música antiga que ela gostava. Roberta atravessou a pista sem se preocupar em quem esbarrava.

- Hei! Porra! Presta atenção! – ouviu gritarem. Tratava-se de Angélica, uma menina de cabelos coloridos de vermelho e peitos fartos. Aliás, tudo era farto demais em Angélica. Os seios, a boca, a maquiagem, os decotes, as bebidas, as drogas e o sexo. Era o que todos falavam dela: a ruiva exageradamente gostosa da turma A. Roberta a conhecia por causa do ano passado, eram da mesma sala no primeiro colegial, mas nem se falavam. Nenhuma das duas se importaria se não as colocassem na mesma sala este ano.
Roberta rolou os olhos. Angélica estava tão bêbada que nem a reconheceu. Ou simplesmente não se importava de quem se tratasse.
Fugindo para a cozinha, Roberta entornou três doses de tequila.
- Vai com calma, gatinha – balbuciou um idiota qualquer. Roberta o ignorou e com a bateria do celular acabada, uma careta no rosto e um gosto horrível na boca, ela voltou para a área da piscina. Não havia achado Melissa em nenhum dos outros cômodos da casa, a amiga só podia estar por ali.
Muita gente bêbada se atracando dentro da água. Roberta sentiu a tequila alcooliza-la enquanto fitava uma pequena parte da piscina que não havia ninguém. A água estava agitada, mas naquele pequeno espaço dava para ficar em paz. Roberta descalçou os tênis e se agarrou na blusa que vestia, na pretensão de tira-la.
- Se eu fosse você não faria isso – disse uma voz  tranquila demais para a bagunça daquele lugar.
- Dá o fora, não estou a fim –  respondeu com uma grosseria maior do que a de costume. Roberta sacudiu a cabeça exasperada e nem se deu ao trabalho de conferir quem era. Apenas mais um idiota dando em cima dela.
- Tudo bem – ele disse irônico. – Depois não diga que eu não avisei.
Roberta tirou as mãos da blusa. Ela suspirou, enfim encarando o menino com uma cerveja na mão sentado numa das cadeiras de tomar sol. Ele parecia mais deslocado do que ela naquele ambiente, mas era bonito. Então tudo bem.
Roberta curtia garotos com caras deprimidas. E, claro, um cabelo batido no olho e um sorriso bonito, ajudavam.
- Por que eu não entraria na piscina?
- Eu não sei. Eu só estou flertando com você, esqueceu? – ele disse ainda mais irônico.
- Ah, vai a...
- Por que um imbecil acabou de mijar aí -  a interrompeu. Ele baixou os olhos para a piscina – A água ainda deve estar quente.
- Caramba, que nojo! Eu quase entrei aí – Roberta arrepiou-se só de imaginar.
- Eu sei – disse. – Quer cerveja?
Roberta recusou com a cabeça. Já tinha bebido demais, seu raciocínio começava a ficar lento. Ela pegou o par de tênis jogados ao lado e procurou outra cadeira de praia para se sentar. Roberta demorou mais do que o normal para calçar os tênis. Ela mesma se irritou.

- Droga. Eu bebi demais! – reclamou enfiando a cabeça entre as mãos apoiadas nos joelhos.
- Sim – o menino concordou, dando um gole na cerveja – Você ficou parada olhando para essa piscina um tempão e depois começou a tirar a roupa. Foi engraçado. Meio garotas selvagens, mas engraçado.
A garota teve de rir. Devia ser uma cena bizarra.
- Você é novo aqui, não é? – ela já tinha certeza da resposta, por nunca tê-lo visto e ele estar sozinho, mas queria confirmar as suspeitas.
- Não. Eu moro nesse bairro desde pirralho.
Roberta ficou confusa: - Eu pensei que você fosse um novo aluno, ou algo do tipo, eu nunca te vi antes.
- Se for novato de novato, eu sou. Meu antigo colégio fechou. Sabe como são, professores bons, alunos ruins. Eles desistiram de ensinar, então, os diretores fecharam as portas. Meus pais me matricularam nesse tal de Assis Alencar.
- É o meu colégio – Roberta disse meio desanimada por lembrar-se da volta às aulas, mas contente por ele também ser de lá: - Você tá sozinho aqui?
- Não. Eu vim com um amigo, mas ele não sabe esperar... Saiu com umas garotas e me abandonou aqui. Antes de amanhecer ele vem me buscar – contou sem ânimo.
- Você pode pegar um táxi.
- Não. Ele sempre volta para me buscar.
- Como sabe?
- O carro que ele está é do meu pai.
- Ah.
Ficaram em silêncio por um longo tempo, observando as pessoas entrarem e saírem da piscina com tanta felicidade. Os dois começaram a rir.
- Eles não fazem ideia – Roberta comentou.
- Estão engolindo urina de bêbado.
Gargalharam.
No meio da risada, Roberta avistou Melissa do outro lado da piscina. Ela não estava dentro da água,  mas na parte da grama perto dos guarda-sóis. A pequena ajudava  uma menina mais ou menos da mesma altura que ela a se manter em pé. Só podia ser a prima. Roberta correu para ajudá-la. Finalmente iam embora.


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Bon Jovi - Misunderstood


Metro Station - Shake It


sábado, 8 de fevereiro de 2014

Primeiro Volume - Amigas Para Sempre

Melissa: com pouco mais de um metro e meio de altura, a garota continuava a mesma pequena, frágil e tagarela menina. Embora seu cabelo tivesse escurecido uns dois tons e seus cachos louros não se formassem mais, ela ainda mantinha aquele ar angelical, carregado por um olhar ingênuo e um sorriso aconchegante e divertido. As pessoas normalmente gostavam de Melissa assim que a conheciam, porque quando ela sorria, conquistava quem estivesse ao redor. 



Roberta: era mais alta e com poucas curvas em seu corpo magro. Seus cabelos ainda eram castanhos e compridos, com as pontas quebradiças batendo em suas costas. Os olhos um tom mais claros que o castanho de seus cabelos ainda se destacavam em seu rosto redondo. As sobrancelhas grossas e bem desenhadas tornavam o seu olhar marcante e expressivo. Era uma pena que a falta de vaidade, roupas largas e um tênis surrado, encobrissem a sua beleza. Mas Roberta não se importava, por que gostava de chamar a atenção, mas por suas atitudes, não por beleza. E geralmente ela era a rebeldia entre o grupo de amigos.



Denis: agora era bem mais alto do que Roberta e seu corpo antes magro e todo desmilinguido, se tornara forte e definido. Dava para notar através da camiseta os ombros e o peitoral largo. Somente o seu rosto infantil, seu olhar levemente atentado e os cabelos negros, cacheados, aparados na altura da testa, eram os mesmos de oito anos atrás. Denis se tornara um garoto lindo. Alto, forte, cativante e muito charmoso. Sempre tivera essas qualidades desde pirralho, mas agora ele fazia um sucesso com as meninas que, ás vezes, o deslumbrava. E com um meio de amigos festeiros e populares, ficava cada vez mais difícil sustentar a mesma amizade que os três mantinham na infância.


Jonas: um garoto magricelo e de pele morena. Cabelo raspado rente à cabeça e olhos cor de mel. Ele usava aparelho dentário e tinha também de usar óculos de grau, mas desde a invenção das lentes de contato, seus óculos foram aposentados. Jonas não era um menino atraente, esportista ou inteligente. Ele era egoísta, egocêntrico e gostava de sacanear todos aqueles que não faziam parte de seu mundo de garotas, festas e futebol. Mas Jonas sabia que sua vida boa se devia à sorte de ser filho da diretora e ter um amigo como Denis ao seu lado. O que facilitava noventa por cento a sua vida e ele sabia tirar proveito disso.

Angélica: uma menina de cabelos coloridos de vermelho e peitos fartos. Aliás, tudo era farto demais em Angélica. Os seios, a boca, a maquiagem, os decotes, as bebidas, as drogas e o sexo. Era o que todos falavam dela: a ruiva exageradamente gostosa da turma A. Roberta a conhecia por causa do ano passado, eram da mesma sala no primeiro colegial, mas nem se falavam. Nenhuma das duas se importaria se não as colocassem na mesma sala este ano. 

Capítulo Um - Amigas Para Sempre


10 de Fevereiro de 2001. São Paulo, Capital.
Crianças entre cinco e oito anos de idade corriam pelo pátio de uma pequena escola particular da zona sul da cidade. Era há primeira semana de volta as aulas.
 - Voltem aqui! Não está comigo! – estrilou uma menina de oito anos de idade. De traços fortes, cabelos castanhos e sobrancelhas grossas. Seus olhos grandes e amendoados se destacavam em seu rosto redondo e infantil. A criança cruzou os braços, esperando os colegas retornarem.
Ao outro lado do pátio, encolhida em um banquinho de madeira, uma menina aparentemente da mesma idade a observava cabisbaixa. Era o seu primeiro dia de aula e, exceto duas colegas que lhe perguntaram sua idade e graciosamente tiraram de suas mochilas duas tesouras sem ponta, oferecendo para cortar seus perfeitos cachos de cabelo louro, nenhuma outra criança havia a cumprimentado.
A pequenina encolhida no banco espiava a colega emburrada no centro do pátio. Somente uma das crianças que brincava junto de pega-pega voltou. Um menino de olhos e cabelos escuros e cacheados, com as bochechas coradas pelo calor e um sorriso sapeca no rosto. Notava-se também ser bem mais baixo do que a menina de pé a sua frente.
- Não valeu Denis! Você roubou no par ou impar! Quando você viu que eu ia ganhar você tirou o dedo!
- Roubei nada!
- Roubou si-im!
- Tá bom, tá bom – o menino se deu por vencido. - Você quer que esteja comigo?
- Sim!
-Tá bom, tá bom - suspirou.
Antes de sua colega correr, ele a tocou. Com desespero, o empurrão foi mais forte do que pretendia e a menina caiu no chão.
 - Pega! Tá com você! Tá com a Roberta, tá com a Roberta! Corre! Corre! - Denis fugiu gritando para os colegas.
- Denis!!! – os olhos dela umedeceram com as lágrimas.
- Não chora. Eu te ajudo - uma voz meiga se aproximou.
- Eu não vou chorar! – Roberta subiu o olhar para a menina loira de pé na frente dela. A mesma menina que a observava do banco.
- Vêm. Eu te ajudo a levantar – e lhe estendeu a mão.
Por um momento, Roberta hesitou em dar a mão para se levantar, e a pequenina loira, com cara de anjo, sorriu. Um sorriso largo, cheio de dentes ainda preenchendo os espaços, e contagiante. Quase fez Roberta se esquecer do tombo que levara.
- Qual o seu nome? – Roberta perguntou passando a mão pelos cabelos emaranhados de tanto correr, ajeitando o rabo-de-cavalo.
- Melissa. Mas minha antiga professora e meus amigos me chamavam de Mel. Você pode me chamar de Mel se quiser – respondeu com um sorriso.
- Ah... Prefiro Melissa – Roberta disse amargamente.
- Tudo bem. Me chama de Melissa se quiser – assentiu. - É o meu primeiro dia de aula, minha família acabou de se mudar para cá. Minha mamãe disse que meu pai conseguiu um bom trabalho por aqui e por isso a gente se mudou. Eu sinto saudade da minha antiga escola e das minhas amigas. Eu tinha muitas amigas onde eu morava. Elas sempre dormiam na minha casa. Minha mamãe gosta de fazer doces então alugávamos um filme da Barbie e comíamos os doces da minha mãe.
Roberta permaneceu muda. Melissa não conseguiria muitas amigas por aqui falando tanto desse jeito, pensou.
- E você? – Melissa perguntou calando a matraca.
- Roberta.
- E te chamam de Roberta?
- Sim.
- Ah, mas – fez uma pausa dramática - Eu posso te chamar de amiga?
A pergunta pegou Roberta de surpresa.
- Er... Não sei. Pode?
A sirene do intervalo foi acionada. As meninas taparam os ouvidos com o barulho.
Roberta girou nos calcanhares indo para onde as demais crianças estavam seguindo. Melissa se apressou para acompanha-la.
- Amiga! –chamou.
Andando lado a lado de Roberta, Melissa sorriu feliz.
- Será que vamos ser amigas para sempre?
Roberta sacudiu a cabeça. Da onde essa menina tirava essas perguntas?
- Eu não sei. Vamos?
- Vamos! – Melissa se apressou em dizer, sonhando: – Vamos ser mais amigas quando grandes. Vamos dividir as nossas roupas e usar maquiagem! Minha mamãe tem muitas maquiagens, pode nos emprestar.
- Vamos? - Roberta riu. Essa menina do interior era engraçada.
- Sim. Amigas para sempre!